Ela acordou naquela manhã, e a impressão que teve foi que está ficando à margem de sua própria vida.
Pensou, tentou lembrar quando, em que momento resolveu desistir de si mesma, deixar de sonhar, de ir atrás de seus objetivos, de ser mais ambiciosa.
...E veio a Paz, ou uma angústia chamada com aquele nome...
Pensou com uma leve inveja (sentindo em seguida culpa por isso) dos amigos que estão estudando pra ser doutores, que estão nos palcos, que estão seguindo a vida. E ela? ela tão acomodada, sem fazer as coisas instigantes que ama, ela tão medíocremente habituada em sua rotina.
Sim, ela reconhece que ama essa rotina, que está feliz assim e lutou muito para que as coisas se adaptassem; 'na verdade', pensa melhor, 'não é que havia desistido de sonhar ou lutar, mas antes essa rotina que era meu sonho: descansar um pouco mais, não passar madrugadas estudando, lendo, competindo; não se angustiar tanto em criar um personagem; poder dormir, simplesmente'.
Essas lembranças e pensamentos a deixaram mais aliviada, afinal, ela não havia perdido sua 'muiteza', como vinha supondo. Mas essa mesmice a está incomodando, deixando incompleta; sente falta da adrenalina, das diferenças, das pesquisas, dos amigos...
'Então', - pensa - ' é hora de recomeçar. A vida não está nem aí, nem vai esperar as feridas sararem, nem o tempo vai voltar atrás. A vida flui.'
E ela sabe que está mais do que na hora de recontar e recomeçar sua própria História.
Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares.
É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.
Pessoa
